Hagamenon Brito | Redação CORREIO
O novo álbum da cantora e compositora Ana Carolina, N9ve (Sony BMG), chega nesta quinta-feira (6) às lojas com tiragem inicial de 99.999 cópias. É muito nove, mas tudo faz sentido na “cabeça neurótica” - como ela mesma brinca - da artista nascida em Juiz de Fora (Minas Gerais), em 9 de setembro (o nono mês) de 1974, que estreou em disco em 1999 e está lançando um CD com nove canções.
“Eu tinha dez faixas, havia um blues, mas aí tirei e me dei conta dessas coincidências... Além disso, meus discos sempre tiveram canções demais. Dois quartos (2006) tinha 24! Como estou fazendo dez anos de carreira, resolvi abrir a porteira (risos)”, diz a cantora ao repórter do CORREIO, na sala da sua mansão no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, com vista deslumbrante do Corcovado e da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Diferentemente dos álbuns anteriores, que venderam quase cinco milhões de cópias (e a tornaram uma das três cantoras mais populares do país, ao lado de Marisa Monte e Ivete Sangalo), N9ve traz Ana Carolina em tons mais suaves e sofisticados.
Alguns fãs podem até estranhar de cara. Teria ela cansado do seu lado rock’n’roll, de cantar de modo visceral? “É a idade. Vou fazer 35 anos! (gargalha). Na verdade, quero que a audição da minha canção dure, quero que minhas canções tenham mais tempo de vida. Tanta gritaria às vezes cansa”, afirma, enquanto acende mais um cigarro Free.
De fato, uma mudança e tanto para quem, de modo excessivo, transformou É isso aí (versão de The blower’s daughter, do cantor irlandês Damien Rice) num martírio radiofônico, em 2005, quando a música (gravada em dueto com Seu Jorge) tocou até dizer chega.
“Hoje eu não faria, não gravaria daquele jeito. De qualquer jeito, minha carreira tem tantas influências e é tão variada, fora as críticas que a gente recebe no caminho, algumas com sentido, outras não. A lei é procurar se superar sempre. Às vezes, a gente lança a música em disco e ela cresce e muda com a experiência do show”, analisa Ana Carolina, de modo autocrítico.
Las bastardas
Produzido por Alê Siqueira (Arnaldo Antunes, Tribalistas), Mario Caldato (Bebel Gilberto, Jack Johnson) e Kassin (Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto), o novo álbum conta com participações especiais internacionais de peso: o cantor americano de neosoul John Legend, a cantora e baixista de jazz americana Esperanza Spalding e a cantora italiana Chiara Civello.
Legend solta a voz no sambalançosoulpop Entreolhares, que ele compôs com Ana e com AntônioVilleroy, além de ter feito a versão da parte em inglês. A faixa é o primeiro single do álbum. “Sou apaixonada pelo jeito dele cantar. Mandei um CD com a música e ele não só gostou, como fez a versão”, explica.
Esperanza, que esteve no TIM Festival 2008, Ana conheceu no You Tube. Foi paixão à primeira vista. A participação da baixista foi gravada no Rio. Ao explicar para a americana o que significava o título da balada Traição, Ana revelou que ela foi fruto de uma infidelidade: seus pais foram amantes por 13 anos. “Eu também”, disse Esperanza. Juntas, pensaram em formar a dupla Las Bastardas.
Outro convidado mais que especial de N9ve é Gilberto Gil, parceiro da cantora e de Mombaça no samba Torpedo. “Durante um bom tempo, essa música ficou sem letra. Um dia, tomei coragem e mandei pro Gil, que devolveu com a letra pronta em apenas dois dias”. conta. Agora, é cair na estrada. O novo show estreia em 9 de setembro, no Rio, e chega a Salvador nos dias 30 e 31 de outubro, na Concha Acústica do TCA.
‘Sempre fui polêmica na vida’
Em dezembro de 2005, coroando uma temporada de sucesso avassalador (vendeu um milhão de cópias com dois discos simultâneos: Perfil e Ana & Jorge), a cantora Ana Carolina virou capa da revista Veja e declarou: “Sou bissexual. Acho natural gostar de homens e mulheres. Sou contra essa postura de levantar bandeiras para defender o homossexualismo, pois fica parecendo que ser gay é uma doença”.
Hoje, quatro anos depois, a artista diz que não se arrepende da entrevista, que ganhou uma enorme repercussão. “Eu sempre fui polêmica em minha vida, em minha casa. A questão é que, quando você se torna uma pessoa pública, a coisa toma uma dimensão muito maior. Não descobri a pólvora sobre o assunto, claro. Antes de mim teve a Angela (Ro Ro), a Cássia (Eller)...”.
Ana Carolina é uma mulher em sintonia com o seu tempo, sabe bem que muitas coisas já mudaram. Os tempos, para muita gente, já são mais tranquilos. “As meninas de hoje estão mais desencanadas, dão beijinho na boca de outras meninas até por diversão, até para fazer ciúmes aos namorados. Acho que o uso da internet, dos blogs, influenciou numa maior liberdade, num exercício de se abrir para a vida”.
Naturalidade
De perto, na manhã carioca de 19°C, Ana é ainda mais bonita do que nas fotografias e nos vídeos. Enquanto é maquiada e penteada, fala com naturalidade sobre qualquer assunto. Em duas décadas de jornalismo, raras vezes vi um artista convidar (alguns) jornalistas para entrevistá-lo, em sessões individuais, em sua própria casa (no caso, uma bela mansão na encosta do Corcovado, praticamente no sovaco do Cristo).
Ainda com obras na parte térrea, a casa na Caio Mello Franco (a mesma rua do estúdio Nas Nuvens, de Liminha), foi comprada há um ano e meio pela cantora, mas só agora, brinca, ela resolveu ocupá-la de vez para que a reforma seja concluída.
Os seus quatro cachorros cocker estão em outro endereço de Ana Carolina, um apartamento em São Conrado. Atenta às novas cantoras, a artista afirma gostar de Pitty, mas destaca mesmo Roberta Sá e a estreante Maria Gadú, que está lançando seu primeiro álbum pela gravadora Som Livre. “Conheci Maria Gadú num sarau na casa do Totonho (Villeroy) e adorei. No meu próximo DVD, vou chamá-la para cantar comigo o blues que ficou de fora do disco”, conta.
Amante da noite, dá risada ao saber que o repórter do CORREIO acordou às 5h para pegar o voo das 7h20: “Nesta hora, eu estava chegando em casa”. Como canta em Tá rindo, é?, a oração de Ana Carolina é bem curta, para o santo não se entediar.
John Legend
Uma das estrelas do novo soul americano, o cantor e pianista é parceiro de Ana Carolina no sambalançosoulpop Entreolhares, primeira música de trabalho do álbum e na qual ele também solta a voz. O artista também participou do último disco de Sergio Mendes.
Esperanza Spalding
Revelação do jazz contemporâneo, a cantora e contrabaixista americana (que se apresentou no Brasil no TIM Festival 2008, em outubro) participa da faixa Traição, uma das quatro parcerias de Ana Carolina com a cantora italiana Chiara Civello.
‘N9ve’ é o melhor trabalho da carreira de Ana Carolina
Entre os álbuns Estampado (2003) e Dois quartos (2006), Ana Carolina cresceu como compositora, consolidou seu espaço na música brasileira atual e atingiu grande popularidade. É a cantora que mais vendeu discos e tocou nas rádios nesta década.
Sozinha ou com ajuda de parceiros, transformou-se numa hit maker de primeira. Com o novo e bom álbum, a artista mexe no time que está ganhando sem, contudo, transfigurar o seu espírito musical.
Com Mart’nália, confessa, Ana Carolina aprendeu a fazer samba. E quem cai na maldição do samba, reza a lenda, é abençoado. O ritmo cadenciado, aliado às outras influências da cantora (o pop, o romantismo das baladas, etc), fez bem à compositora, assim como a compreensão de que sua poderosa voz não precisa ser exercitada a plenos pulmões para passar sinceridade: melhor é estar a serviço da canção.
Das participações especiais (John Legend, Esperanza Spalding e Chiara Civello) aos músicos (como Daniel Jobim, Davi Moraes, João Parahyba, Donatinho e Carlos Trilha), tudo em N9ve acrescenta mais qualidade e variedade à discografia da cantora. (HB)
FICHA
CD N9ve
Artista Ana Carolina
Produção Alê Siqueira, Mário Caldato e Kassin
Gravadora Sony BMG
Preço R$25 (em média)
Fonte: Correio.
Por Érika Lima, Equipe Ana Por Inteiro.